A atriz Isabel Fillardis vive um dos momentos mais intensos de sua carreira.
Entre o cinema, o teatro e a televisão, Isabel Fillardis ainda encontra tempo para o lançamento de sua biografia e a dedicação aos três filhos. No mês da Consciência Negra, em conversa exclusiva com o colunista Daniel Nascimento, do jornal O Dia, a artista refletiu sobre a importância do combate ao racismo, a busca por representatividade e a responsabilidade de ser inspiração para uma nova geração de mulheres negras.
Em breve, ela estará nos cinemas ao lado de Glória Pires em “Sexa”, um filme que aborda com leveza e humor os dilemas femininos após os 50. Na entrevista, a famosa também falou sobre o impacto de projetos como “Madame Durocher”, onde mergulha na ancestralidade e na história das mulheres negras por meio da personagem Clara. Com 30 anos de carreira, a artista refletiu sobre os avanços e desafios da representatividade nas artes e compartilhou seu desejo de interpretar personagens complexos.
Isabel, em breve poderemos ver você nas telonas como melhor amiga de Glória Pires, no filme “Sexa”, do qual ela também é diretora. Como foi ser dirigida por ela?
“Olha, fazer o ‘Sexa’ foi incrível, divertido, de maravilhosa construção, um clima delicioso, três semanas mergulhadas num universo absolutamente feminino. A gente fala sobre situações, vivências de mulheres a partir de 50 e 60 anos, claro. “Sexa” é a história de Bárbara, que acaba de fazer 60 anos e está vivendo alguns dilemas, mas a gente fala de amor e todas essas questões que a mulher madura vive de uma forma muito bem humorada. Ser dirigida por Glória é incrível, ela é uma diretora sensível, calma, olha todos os detalhes desde a maquiagem até a construção da personagem… Então vem aí um belíssimo filme com questionamentos e diversão para todos”.
Teatro, tarde de autógrafos de sua biografia, filme com “Madame Durocher” e não podemos esquecer de Isabel Mãe. Como você faz para administrar tudo?
“O processo criativo de estudo de ‘Madame Durocher’, filme em si, é muito bacana, prazeroso, esclarecedor e potente. Porque, primeiro pelo ponto de vista de termos conhecimento de quem foi essa mulher que mudou a história da medicina, mudou o curto da medicina, a inserção da mulher na medicina e na ginecologia. Na época, a gente falava ‘partejar’, mas é ginecologia. Então só aí a gente já entende a força que ela teve, o divisor de águas para nós mulheres”.
“E se tratando de Clara, que é um mergulho na ancestralidade de uma forma muito dilacerante e fascinante. Dilacerante pelo fato de, cada vez mais que a gente vai atrás do letramento, que a gente vai entendendo um pouco sobre a história dos nossos ancestrais, a gente entende o tamanho do que é essa reparação histórica que precisa ser feita, do número de ícones de pessoas pretas, ancestrais, artistas ou não artistas, enfim, figuras importantíssimas que estão ao longo da história e que foram apagados e esquecidos e colocados de lado ou substituídos por nomes de pessoas brancas ou não incluídos dentro das suas respectivas representatividades. Então, Clara vem trazendo, na verdade, essa perspectiva do que foi uma mulher preta em 1800, do que era uma ama de leite, de fato, de verdade. Isso foi o mais dilacerante pra mim, não quero dar aqui um spoiler, mas eu acho que quem assistir o filme, mulheres pretas ou não, vão ficar impactadas”.
“A Isabel mãe, ela é a mãe possível, né? Essa é uma das coisas, por exemplo, que eu abordo no meu livro, essa mãe possível, a mulher possível. A gente vive dentro de um equilíbrio. É óbvio que muitas das coisas que eu faço, ou basicamente quase tudo, não seria possível se eu não tivesse uma rede de apoio. Então, ser essa artista multifacetada que sou e atuar em todas essas frentes que atuo, é necessário um staff, é necessário uma retaguarda, uma estrutura que me possibilite andar, caminhar, sair de casa, viajar. Então eu preciso, além da rede de apoio, eu tenho cuidadoras que cuidam do Jamal 24 horas por dia. Então isso requer muito trabalho para que eu seja bem remunerada, para que eu possa. Custear e, assim, vivemos num ciclo de equilíbrio e harmonia, na medida do possível”.
O que podemos esperar de sua biografia? Afinal, são 30 anos de carreira, né?!
“São 30 anos de carreira, mas são 50 anos de vida. São 50 anos de vivências, experiências, transformações. 50 não, 51 para ser mais se precisa. Então é muito mais do que uma biografia cronológica falando dos meus passos artísticos. As pessoas vão conhecer um pouco mais da Isabel Fillardis e vão conhecer a Isabel Cristina”.
Como mulher preta que é, em algum momento da vida, você passou por alguma situação de racismo?
“Sim, sim, eu vivi vários momentos de racismo na infância, na adolescência e na fase adulta. Algumas foram esquecidas na infância, estão relatadas no livro. Na verdade, eu acredito que todas elas que vivi, aquelas que lembro, estão derramadas no livro”.
Quais os cuidados que você toma no dia a dia para tentar evitar o racismo?
“Eu não sei se é possível evitar o racismo porque ele não é meu, né? Ele é do outro. Então, ainda mais um racismo estrutural. A gente combate ele 24 horas por dia, quando a gente se depara, por exemplo, com uma negociação de cachê, quando a gente se depara com algumas nuances dentro do mercado de trabalho. Enfim, são nesses momentos, mas não combatê-lo. Posso dizer que o fato de ser ativista, eu sou ativista, hoje mais do que nunca, e estou me aquilombando, venho me aquilombando com o Pacto, Pacto Promoção de Equidade Racial, é um trabalho que eu desenvolvo com eles sendo embaixadora. O Pacto é um trabalho institucional. Aplicado dentro do mercado privado, dentro de empresas para promover e acelerar carreiras de pessoas pretas, principalmente de mulheres pretas”.
Como você passa as noções de racismo aos seus filhos?
“Para a Ana Luz eu não preciso passar nada, na verdade é uma troca, é uma conversa. Ela desde que entrou na primeira fase adulta, vamos dizer assim, 20 e poucos anos, ela está com 23, ela é muito esclarecida. E a gente vem trocando, se esclarecendo, lendo, letrando, para que a gente possa conversar mais e estar mais forte cada vez mais. E Kalel, que é um menino negro de pele clara, eu venho colocando para ele através de uma forma lúdica sobre a cor da pele dele, por ele ser ele, se ele é um homem, fala, ‘meu filho, você é um homem negro de pele clara, tá? Diferente, por exemplo, do seu primo, que é retinto’, eu vou falando nos termos que a gente usa mesmo, tentando ser o mais lúdica possível, mas também não tirando a realidade. Hoje ele começa a conversar comigo sobre racismo, fala ‘Mãe, isso aqui é racismo?’ Então eu vou dizendo pra ele falas racistas pra ele ir entendendo, ele vai fazer 11 anos, pra ele começar a se defender”.
Como é para você saber que abriu caminhos e inspirou tantas jovens negras ao longo dos anos?
“Eu demorei a entender de fato na minha alma, na minha compreensão, que eu abri caminhos, que influenciei uma geração, que influencio ainda uma geração, porque muitas dessas meninas são mulheres hoje, que me acompanham e tudo. Eu acho que a internet, ela veio favorecer e aproximar esses mundos, porque antigamente a gente só tinha correspondência por carta com os fãs e quando fazíamos teatro era a nossa resposta. Hoje a internet aproximou o fã do seu ídolo e tornou essa comunicação mais direta. Então eu realmente tive a noção de quem eu fui e sou há não tem muito tempo. Veio junto com a maturidade, com a internet que foi me trazendo para novos públicos, pessoas mais jovens, fazendo as pessoas mais velhas também se aproximarem de mim, me encontrarem, me reencontrarem. Então é muito gratificante. É muito inspirador, me dá mais gás para continuar e me traz uma responsabilidade também. Você ser exemplo, ser inspiração para pessoas, é algo muito delicado e demonstra uma responsabilidade, eu acredito. Mas eu gosto desse lugar, gosto mesmo”.
Você foi uma das primeiras negras de destaque na TV! Como você vê a evolução da representatividade negra na televisão brasileira desde o início de sua carreira até hoje?
“Eu gostaria muito de ampliar essa pergunta para as artes. Eu acho que é limitar muito, é restringir até a minha arte em si. Eu sou uma artista que não só atua em televisão. Eu faço teatro, faço cinema, eu sou cantora. Hoje tenho outros atributos artísticos. Vamos ampliar essa pergunta não só para televisão? E aí, se tratando disso, a gente teve a Zezé, teve uma importância muito grande na televisão. Ela rompeu barreiras. As personagens que ela fazia eram personagens bem fortes. A gente tem Ruth, que teve uma representatividade muito grande e também rompeu alguns paradigmas na televisão e nas artes, principalmente no cinema, a nossa representação. Representante internacional no cinema, Ruth de Souza, abriu essa porta. Eu venho, uma década depois de Zezé Motta, fazendo personagens que não tinham uma conotação escravagista. Então, eu fiz personagens onde essas mulheres tinham profissão. Às vezes tinham família, às vezes não tinham família, mas tinham profissão, eram bem sucedidas. Então, sim, eu abri aí uma boa porta para um novo espaço de dramaturgia para nós, artistas, mulheres pretas”.
Isabel, como mulher negra e talentosa que é, você ainda tem esperança de ser protagonista de uma trama?
“Eu não vou dizer ‘esperança’, não, vou dizer objetivo. Eu acho que mereço, está na hora, tenho maturidade e dramaturgia suficientes para fazer uma protagonista. Mas eu não fico aguardando por isso, não, sabe? Eu venho buscando as minhas protagonistas no cinema, no teatro, que em breve teremos uma. Em outras frentes também, né? O meu protagonismo não se faz só na televisão. Ele se faz em várias outras fases das artes que eu venho atuando e abrindo caminhos. Agora, na literatura, daqui a pouco em roteiros, quem sabe em cinema. Tem muita coisa boa vindo por aí”.
Qual é o seu grande sonho como atriz? Existem projetos futuros ou personagens específicos que você deseja interpretar?
“Eu quero interpretar figuras humanas incríveis, diferentes, complexas, onde a gente possa abordar a psique humana, principalmente feminina. Quero falar muito de vários tipos de mulheres existentes nessa vida, provocar, afetar o público, transformar através do meu trabalho. Eu quero personagens assim, não nada tão específico”.
Isabel, como foi o processo de construção de Clara no filme “Madame Durocher”, e o que mais te impactou na historia?